A miséria da educação brasileira não é novidade. Em todo canto, percebe-se tal realidade: estrutura física comprometida; professores desmotivados, desvalorizados e pouco qualificados; direção desorientada; alunos desinteressados; enfim... Um cenário complexo, que piorou muito com a pandemia.
Olhar para os números funestos que refletem as consequências dessa realidade nos dá uma dimensão palpável do estado no qual se encontra nossa educação, especialmente quando se trata de língua portuguesa.
De acordo com um levantamento realizado pelo Nube — Núcleo Brasileiro de Estágios —, 83,5% dos candidatos a vagas de estágio e aprendizagem são reprovados em processos seletivos por apresentar conhecimento gramatical insuficiente.
O pior desempenho se dá entre os acadêmicos de Pedagogia, ou seja, entre os responsáveis por alfabetizar nossas crianças: 93,5% deles atingiram resultados abaixo do esperado em língua portuguesa. Os alunos de Letras atingiram a ruinosa marca de 85,5% de eliminação.
Os números são preocupantes em todas as áreas: a taxa menos ruim é a dos alunos de Engenharia, que bateram 73,3% de eliminação.
O resultado não surpreende quem monitora o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o qual mostra como temos caminhado no quesito leitura: estamos sempre muito abaixo da média apresentada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Mais surpreendente ainda é acompanhar o Índice de Alfabetismo Funcional (Inaf Brasil): segundo a última pesquisa, apenas 12% dos brasileiros detêm domínio proficiente da língua portuguesa.
Um número colossal de alunos não consegue atingir o alfabetismo consolidado, mesmo tendo maior escolaridade.
“Sete em cada dez que cursaram apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental permanecem na condição de analfabetismo funcional, e 21% chegam apenas ao nível elementar. É interessante observar que 9% dos brasileiros e das brasileiras entre 15 e 64 anos que concluíram os quatro primeiros anos do Fundamental têm alfabetismo consolidado, apesar da pouca escolaridade”, diz o documento do Instituto Paulo Montenegro, responsável pelo Índice.
No ensino superior, impressiona que apenas 34% dos alunos sejam proficientes. Isso definitivamente não significa serem brilhantes e geniais: o indivíduo proficiente apenas “elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto, bem como é capaz de interpretar tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo a representação de informação quantitativa (intervalo, escala, sistema de medidas) e reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções).
A pessoa proficiente também está apta a resolver situações-problema relativas a tarefas de contextos diversos, que envolvem variadas etapas de planejamento, controle e elaboração e que exigem retomada de resultados parciais e uso de inferências”.
Trocando em miúdos, menos de 34% dos universitários brasileiros conseguem fazer o que se espera de 100% deles.
Vale lembrar que dali saem nossos professores, diretores, empresários, engenheiros, advogados, contadores, líderes... Enfim, dali é que sai quem trabalha com a maior parte das atividades intelectuais cotidianas do Brasil.
É um cenário no mínimo desafiador, cuja solução definitivamente passa pela linguagem verbal antes de qualquer coisa.
O indivíduo com dificuldade de leitura e expressão por meio das palavras (faladas e escritas) articula mal o próprio pensamento: distorce a percepção da realidade, tropeça nos textos simples do cotidiano e se confunde na narrativa da própria vida.
Evidentemente, a dificuldade com a linguagem o faz se perder no aprendizado das outras matérias: como estudar Matemática quando não se tem proficiência para entender o enunciado da questão? Como estudar Ciências quando não se compreende a narrativa dos experimentos que embasam sua evolução? Como estudar História, se personagens, épocas, cenários e fatos se embaralham num bolo amorfo de palavras?
Desanimador? Sem dúvida. Por isso é fundamental entendermos o local exato onde estamos.
Só se sai do lugar cavando onde se está, declarando a realidade, constatando com precisão as causas e consequências envolvidas. O básico do básico anda bem moribundo.
Na falta de um milagre para melhora instantânea da educação, é nas iniciativas privadas e individuais que mora a ascensão de soluções com capacidade de difusão: um só professor exímio muda a vida de milhares de pessoas; pequenos grupos de estudo podem causar impacto direto nas próximas lideranças educacionais; materiais on-line (como a página Língua e Tradição) podem suscitar o sério desejo de estudo e compromisso de muitos profissionais e alunos.
Daria para citar dezenas de exemplos que, com esperança, podem fazer girar esta enferrujada roda educacional.