A quantidade de coisas no mundo que eu ainda não sei é infinita. Deve ser tão grande quanto o próprio mundo e pensar no tamanho do mundo e das coisas que não sei dá um frio na barriga. Sou só eu que sinto isso?
O novo assusta os adultos tanto quanto deve assustar um bebê.
Mas, vá lá, são tantas as resoluções do novo ano, são tantas as coisas possíveis, nem quinze dias se passaram desde que promessas foram feitas: mais foco, mudança de vida, exercícios, melhor alimentação, meditar, mais tempo com a família, fazer o trabalho se encaixar na vida e não o contrário. Acho que faz mais de quinze anos que todo ano insiro na lista de ano novo: aprender a nadar.
Ainda não me inscrevi na natação, mas no Natal me dei de presente algo que também estava na lista há uns dez anos: um patins.
Sabe aquelas visualizações de paz e harmonia, sabe quando você visualiza a sua vida dos sonhos? Pois a imagem do meu corpo feliz sou eu de short curto e camiseta, fones de ouvido tocando uma música de “vibe indescritível”, bate uma brisa e meu sorriso abre enquanto patino em algum parque no verão de Berlim.
Não me pergunte o motivo, eu criei esta imagem e vou defendê-la, aliás, vou realizá-la. Para isso, antes de comprar minha passagem para Berlim, eu preciso aprender a patinar.
Foi assim que levei minhas rodinhas para um lugar aberto e arejado, acompanhada de um amigo pra segurar a minha mão. Foi lá que Helton repetiu várias vezes: Ana, não pode ter medo! Eu sei que a intenção era ajudar, motivar, incentivar que eu saia patinando o mais rápido possível por aí e compre a minha passagem para Berlim, mas por que eu não posso sentir medo de subir em cima de uma coisa que pode inclusive me causar um acidente grave, por que eu não posso sentir medo de começar algo novo?
O mais estranho é que ainda somos uma sociedade que educa as crianças pelo medo: não vai ali que o bicho-papão vai te pegar, não sobe aí que você pode se machucar. Mas depois de adultos a regra é não ter medo de nada. Foi assim que um coach colocou 60 pessoas em perigo de morte na semana passada, subindo o Pico dos Marins, no interior de São Paulo, com 2.400 metros de altura, sem preparação, sem equipamento, fora da época recomendada. A regra é não ter medo.
Diferente da fobia, exagerado e que muitas vezes parte de um trauma, o medo é involuntário e natural, o medo é um instinto de sobrevivência.
Eu li algumas pesquisas sobre os medos humanos e até 2019 no topo das listas estavam coisas como ciberataques, o Estado Islâmico, catástrofes naturais, falar em público. Já a pesquisa do Nube — Núcleo Brasileiro de Estágios —, realizada em meados de 2020, colocou que o maior medo dos jovens brasileiros estava relacionado a ter uma doença (26,76%), em segundo lugar a morte (18,77%) e em terceiro, o medo de problemas financeiros (16,20%). O que te aflige hoje?
Nestes últimos tempos, eu perdi o medo de ter medo, inclusive perdi o medo de dizer que tenho medo. Foi assim que respondi ao Helton: Eu vou ficar com medo sim!
O medo nos faz tomar atitudes diferentes, principalmente quando há antecedentes. Tem que ter medo de mais um vazamento criminoso de mineradora em Minas Gerais, tem que ter medo de mais mortes pela Covid-19.
Meu desejo é que em 2022 o medo não nos paralise, mas abra os nossos olhos e ouvidos. Que a gente abrace esse frio na barriga como algo que podemos e devemos sentir, se necessário. Que o medo não seja bússola, mas seja âncora.