Jovens recém-formados serão os mais afetados pelos efeitos da pandemia no mercado de trabalho no decorrer dos próximos anos. Esses prossionais que estão saindo agora da faculdade terão mais diculdade em conseguir trabalho. E aqueles que conseguirem acessar empregos em suas respectivas áreas de formação podem se deparar com salários menores do que os pagos para prossionais com mesmo nível de experiência em gerações anteriores.
Segundo especialistas, essa mudança no mercado de trabalho que já era observada nos últimos anos foi acelerada pela pandemia, atingindo principalmente a geração Z - formada por nascidos entre 1996 e 1997. Segundo pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), apenas 14,87% dos jovens recém-formados que pegaram diplomas em 2019 e 2020 conseguiram vagas nas suas áreas de formação após três meses da formatura.
O último levantamento havia sido divulgado em 2019 e teve como base os universitários graduados entre 2014 e 2018. Na ocasião, 27,02% dos brasileiros conseguiram entrar nas suas áreas de formação em menos de três meses. O número representa uma redução de 44,96% da quantidade de pessoas empregadas em seus ramos em até um trimestre depois da formatura.
Segundo Daniel Duque, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro e Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), apesar de ter mais escolaridade dos que os jovens das gerações anteriores, o recém-formado de agora possui pouca ou quase nenhuma prática prossional. Como no cenário atual as empresas estão premiando mais a experiência do que a qualicação, isso se torna um drama para as novas gerações. "Há pelo menos dez anos o mercado tem aumentado a remuneração para quem tem mais experiência e diminuído para quem tem menos".
Ainda segundo o pesquisador, o que está ocorrendo agora, durante a pandemia mundial, é similar ao que ocorreu no País em 2015. Na ocasião, a crise econômica que derrubou o PIB afetou o mercado da construção e provocou a demissão de milhares de engenheiros. Com a pausa nas contratações, a área cou saturada com novos prossionais.
"A pandemia criou novos focos desse problema, principalmente nas áreas de serviços, alojamento, alimentação e entretenimento. São áreas que empregam muitos prossionais, mas os que estão se formando agora não conseguem um emprego nesse momento".
As empresas podem e devem sempre buscar atrair e selecionar os melhores candidatos para suas vagas, destaca Luiz Drouet, diretor da Associação Brasileira de Recurso Humanos (ABRH) de São Paulo. E, quando há uma grande oferta de prossionais, o mercado de trabalho se torna cada vez mais seletivo. Por terem ainda pouca ou nenhuma experiência, os jovens recém-formados são ainda mais prejudicados ao terem que concorrer com prossionais que já atuam há mais tempo no mercado e estão em busca de recolocação. "Em um contexto de crise econômica e com elevado número de pessoas desempregadas, é natural encontrar prossionais qualicados em transição de carreira".
Expectativa
Rafaella Croti, 22 anos, acabou de se graduar em nutrição e é uma das recém-formadas que tenta uma oportunidade no concorrido mercado de trabalho. Mas a conquista do diploma não foi o primeiro desao. "Primeiro tive que vencer a barreira da discriminação, por ser uma nutricionista acima do peso", arma. A busca por uma oportunidade na área está sendo dicultada pela pandemia. "A gente vai tentando outros lugares, mas ninguém está contratando", diz.
Enquanto não consegue um emprego na área de formação, ela atua como atendente na ocina de motos da família e não descarta a possibilidade de aceitar empregos fora da área para ter a própria renda. "Quando a gente está na faculdade acha que vai sair com emprego e vemos que a realidade é mais difícil".
Com as escolas fechadas, a chance que acreditava ter de entrar no mercado de trabalho foi reduzida a praticamente zero, diz a pedagoga recém-formada Jaqueline Garcia Alves, 22 anos. A crise provocada pela pandemia afetou todos os setores da economia de alguma forma, mas a área de educação foi uma das mais afetadas. "Não está tendo contratações durante a pandemia, por isso a gente está com diculdade.
Outro problema foi a mudança no calendário das universidades, que adiou o acesso dos formandos ao diploma. "A maioria das escolas contrata em janeiro, mas nós só pegamos nosso certicado em março". Sem nenhum emprego em vista, Jaqueline diz investir em aumentar o nível de formação para tentar concorrer com prossionais mais experientes.
Se antes conseguir uma vaga já era difícil, agora está uma tarefa quase impossível, diz a nutricionista Carolina dos Santos Reis, 23 anos, diplomada em março deste ano. Atente às oportunidades, ela diz car de olho nas plataformas de empregos e nos anúncios de empresas.
Prática que tinha antes mesmo de concluir a faculdade. "Sempre enviei currículos, às vezes sou chamada para entrevista, mas não consigo a vaga. Agora, não consigo nem resposta, estão sendo muito mais seletivos".
Experiência prejudicada
Para a maioria dos cursos de graduação, é no último ano que os universitários realizam os estágios obrigatórios. Além de agregar ao conhecimento acadêmico e melhorar a experiência, o estágio é uma oportunidade de aumentar a rede de contatos, importantes para a primeira oportunidade.
Para Daniel Duque, economista e pesquisador da Ibre/FGV a inserção no primeiro emprego é o momento mais importante para determinar a vida produtiva de um jovem. "Nos casos em que ele não consegue acessar cargos na área de formação, ele pode ter uma perda de renda e de qualidade de vida provocada por uma pior inserção no mercado de trabalho".
Justamente para aqueles que concluíram a graduação após o início da pandemia, a experiência acabou sendo frustrante. Os estágios da nutricionista Rafaella Croti consistiram em uma série de conversas com outras prossionais e merendeiras de escolas. "Elas contaram sobre o trabalho, mas não tive chance de acompanhar. É totalmente diferente quando a gente experiencia aquilo", disse.
"É complicado fazer estágios mais curtos, a gente não vivencia todos os desaos que a pessoa que trabalha na área enfrenta", diz Carolina dos Santos Reis. Ela conta que no período de cinco meses realizou estágio em quatro diferentes lugares, mas sem conseguir se aprofundar.
A diculdade é a mesma enfrentada para recém-formados em cursos de licenciatura, diz a pedagoga Jaqueline Alves. "Fizemos as leituras, mas não tivemos vivência. É um tristeza porque vai inuenciar na formação".
Essa falta de experiência precisa ser compensada, diz Luiz Drouet, diretor da ABRH-SP. "A orientação para os jovens é continuar estudando e se qualicando enquanto buscam oportunidades, priorizando empresas de setores que foram menos impactados pela crise ou estão até aquecidos, funcionando como as exceções à regra geral". (FN)