A divisão de um mesmo espaço de lazer por pedestres, ciclistas e condutores de veículos pode ser perigosa. Os espaços determinados podem ser positivos, desde que respeitados pelos envolvidos.
Uma pesquisa realizada em São Paulo revelou que 39,34% dos jovens entre 14 e 28 anos desejam ciclovias nos espaços de lazer se houver segurança para os pedestres. Outros 31,06% acham que esses são lugares apropriados para o ciclismo. A pesquisa foi realizada pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube). Por outro lado, 15,31% são favoráveis apenas quando ciclistas e pedestres têm espaços separados, 10,35% apenas se houver sinalização e redutores de velocidade nos cruzamentos e 3,94% são contrários a essas faixas.
Mas não é só em São Paulo que há esse debate. Em Porto Alegre, corredores de ônibus e avenidas tem trechos fechados para o trânsito de veículos para o lazer da população aos domingos - avenida Beira Rio, Erico Verissimo, Terceira Perimetral e José Bonifácio. O espaço é dividido entre pessoas caminhando, andando de bicicleta, skate ou roller. Mesmo com a proibição de passagem de carros, não é raro ver alguns furando o bloqueio na Beira Rio, por exemplo. “Em cinco minutos vi três carros passando. É um espaço bem interessante, mas é preciso ter o respeito de todos os lados”, acredita o ciclista Sérgio Mendonça Jorge.
Para ele, algumas ciclovias, mesmo com a delimitação de espaço, são evitadas pelo conflito com pedestres. É o caso de Ipanema, na zona Sul da Capital. “É muito estressante, às vezes, porque algumas pessoas colocam cadeiras na pista e se você reclama ficam brabas”, relata. Ele nunca se acidentou, mas ao circular na via junto com pedestres optou por andar mais devagar.
Cadu Carvalho, um dos coordenadores do Mobicidade (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta), acredita que esses espaços são apropriados para quem quer passear e não para quem usa a bicicleta como meio de transporte. “São locais com muitas crianças, pessoas andando devagar, então é preciso estar em uma velocidade baixa”, diz. Segundo Carvalho, o maior problema está em pontos onde não há calçada e todos os tipos de integrantes do trânsito se misturam correndo perigo.
Pedalar com segurança
Em busca de segurança, algumas pessoas têm se reunido para formar grupos de corrida e de pedalada. Um exemplo é o Pedalegre. Muitos dos integrantes praticam o ciclismo há anos, mas o receio com o aumento no número de assaltos e índices elevados de acidentes fizeram com que eles buscassem essa alternativa. “Andando juntos. É mais fácil de sermos vistos e nos sentimos mais seguros”, ressalta Janise Bennett, que pedala há mais de 20 anos, mas procurou o grupo há aproximadamente um ano junto com o marido Pery Bennett.
Cinco deles aproveitaram um domingo para se exercitar na orla do Guaíba. Era início de uma tarde quente, mas ainda não havia muito movimento. O grupo podia ocupar as três pistas da avenida, fazendo pequenos desvios. Para eles, ainda há problemas nas relações com pedestres e condutores, mas já houve uma melhora. “Carros e ônibus passam muito perto, sem manter o metro e meio necessário. Por outro lado, se andamos na calçada sempre há quem reclame. Então não temos lugar e ficamos vulneráveis”, conta Luiz Fernando Nunes.
Aplicativo facilita a rota
Um aplicativo foi criado em São Paulo há um ano com informações para ciclistas a fim de garantir a segurança e facilitar o deslocamento dessas pessoas. O UseBike é uma plataforma colaborativa, na qual o usuário pode adicionar informações de pontos de apoio e dicas. Segundo Guilherme Cury Rovai, um dos criadores do app, a ideia surgiu quando ele e seus quatro sócios começaram a utilizar a bicicleta como meio de transporte, mas encontraram algumas dificuldades. “Nunca tínhamos pedalado para ir para o trabalho antes. Não sabíamos onde parar a bicicleta, que trajeto fazer, as leis, as dicas. Vimos que essas barreiras que encontrávamos eram as mesmas de muitas outras pessoas”, contou Rovai.
Hoje com 5 mil usuários para smartphones e tablets com sistemas Android e iOS, a ferramenta disponibiliza informações sobre pontos de alugueis de bicicleta, bicicletários e paraciclos, estabelecimentos amigos do ciclista (restaurantes, mercados, cafés), oficinas e locais que oferecem o serviço de ducha. Há também a possibilidade de ver a topografia (subidas e descidas) da rota para escolher qual é o melhor caminho. Por ser de São Paulo, a maioria dos usuários é da região, mas 2% são de Porto Alegre. “Hoje os esforços estão concentrados aqui (SP), mas temos o objetivo de expandir para todo o Brasil.”
Relação mais saudável no trânsito
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determina uma hierarquia nas vias, onde o maior sempre deve cuidar do menor. Por mais que haja conflitos constantes, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) acredita que essa determinação já está sendo melhor entendida pelos diferentes integrantes. “A relação é mais saudável atualmente. Há uma ideia de compartilhamento do espaço, mas sempre há exceções. O trânsito é uma questão de comportamento e por isso reflete as atitudes das pessoas em suas relações sociais. Se suas ações diárias são ruins, no trânsito não vai ser diferente”, acredita o coordenador da Educação para o Trânsito da EPTC, Juranês Castro.
A empresa tem um programa chamado “Conviver para viver melhor”. O objetivo é mostrar que todos têm direitos e deveres no trânsito. Os ciclistas são orientados a respeitar a sinalização, não andar na calçada e, em áreas de lazer, reduzir a velocidade. “O principal é ver e ser visto. Mesmo que itens de segurança individuais não sejam obrigatórios para os ciclistas é sempre melhor usar capacetes, luvas e roupas claras e reflexivas”, cita Castro.
A distância mínima de 1,5 metro dos veículos ao passar ou ultrapassar um ciclista é prevista no CTB. No entanto, o espaço entre a bicicleta e o pedestre não é determinado. “É preciso deixar uma distância mínima para manter a segurança dos envolvidos”, afirma. As ciclovias são espaços que devem ser usados pelas bicicletas e não para passeio de pedestres. “Muitas pessoas parecem não respeitar esse ponto, mas no geral a convivência é harmônica entre pedestre e ciclista.”
Número na capital
• Em Porto Alegre, o número de acidentes envolvendo ciclistas reduziu 15% em 2015, comparado com o ano anterior. Passou de 251 em 2014 para 213 no ano passado. As vítimas fatais também reduziram de oito para três neste mesmo período. Os três primeiros meses de 2016 registraram 49 acidentes e um óbito, ocorrido em fevereiro.