Como você vê a morte? Essa foi a pergunta feita durante uma pesquisa realizada entre os dias 8 e 19 de dezembro passado, a cerca de 8 mil jovens com idade entre 15 e 26 anos.
O estudo – realizado pelo Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) – analisa os medos e as inseguranças dos jovens brasileiros em relação ao assunto.
As quatro respostas mais ouvidas foram: “com naturalidade, pois todos iremos morrer”, dita por 55,07% dos entrevistados. “Não penso nisso e vivo cada dia intensamente”, dita por 29,21%. “Eu tenho muito medo de morrer sem realizar meus sonhos”, 12,68%, e “como o fim de tudo, por isso, fujo dela”, dita por 3,05% dos jovens entrevistados.
O resultado da pesquisa revela maturidade da maioria dos jovens em relação ao futuro.
Para a psicóloga Larissa Cabús, a pesquisa reflete condições sociais vigentes.
“Com um domínio capitalista, onde as conquistas materiais estão em primeiro plano, cresce a frustração do jovem por não conseguir o que o mesmo promete: sucesso, fama dinheiro e imortalidade”, opina.
Por conta desses fatores, segundo a psicóloga, uma parcela dos entrevistados fala em ter medo de morrer sem antes ter realizados seus sonhos, na maioria das vezes impostos pelo capitalismo.
“E isso é uma característica crescente. A necessidade de manter padrões e condições que não são possíveis para boa parcela da população, geram insatisfação, depressão e consequentemente o medo de morrer sem realizar o que ‘era seu sonho’. Porque, na verdade, a sociedade nem dá mais tempo para o jovem descobrir qual é o seu sonho, já que exigem que um adolescente de 16 anos decida qual será sua profissão e o caminho que seguirá pelo resto da vida”.
Para Larissa, nessa idade, o adolescente ainda não conhece todos os seus sonhos.
“Mas ele acaba ‘engolindo’ o sonho que a mídia lhe impõe e por fim acaba frustrado. Esta é uma geração inesperada, onde se acaba a faculdade aos 22 anos sem nem saber se era isso mesmo que queria. Estudos sobre essa geração são recentes, mas o que se nota em países de primeiro mundo é um desencanto geral que leva ao uso de drogas e até suicídio”.
A psicóloga acredita que, mais do que fazer com que o jovem sinta medo da morte, os padrões capitalistas estão matando a juventude contemporânea.
“Numa geração onde o maior contato que se faz é pelas redes sociais, e não físicos e nem presenciais, onde o mais importante é ter um modelo de corpo ‘perfeito’ e um iate, em que importa sua existência sem nada disso? Se você é rico, não tem pelo quê lutar. Se você é pobre, nunca vai ser rico. O sistema está matando a geração para além da condição social É um assunto muito sério e a maioria dos problemas é levado como brincadeira”.
De acordo com a publicação do Nube, quando um indivíduo cria mistérios e tabus com relação ao futuro após a vida, desenvolve-se naturalmente vários questionamentos.
“Algumas pessoas buscam na religiosidade, um conforto para conviver com incógnitas. Já outras, ao imaginarem o assunto, criam preocupações nem sempre tranquilas de lidar”.
Entretanto, é preciso que haja cuidado ao permitirem uma presença excessiva da “morte” nos pensamentos.
“Se um adolescente, adulto ou idoso inclui algo intangível nos seus problemas do cotidiano, acaba por não viver o hoje e se desgasta por completo. O ideal é um acompanhamento psicológico quando as dúvidas sobre o ‘pós-vida’ ultrapassarem os limites saudáveis”, diz a publicação.
‘Sinto medo de ver as pessoas que eu amo morrer’, diz estudante
“Às vezes sonhava com minha avó morta e corria para o quarto para ter certeza de que ela estava respirando”. Esse é o relato da estudante Wellen Britto, de 21 anos.
A jovem conta que já sofreu muito por antecipação, principalmente pelo fato do pai ser policial militar e temer que algo de ruim lhe acontecesse.
“Nunca gostei muito de pensar sobre a morte, porque eu sempre sonhava muito com meu pai e minha vó. Qualquer coisa que eu via na televisão em relação a assaltos ou algo a respeito de policiais militares mortos, me fazia chorar e ter sonhos ruins. Sempre tive medo da morte, mas não por mim, e sim pelos que amo”, conta a estudante.
Hoje em dia Wellen garante que tenta não sofrer mais por antecipação.
A psicóloga Larissa Cabús recomenda que pessoas que sofrem esse tipo de ansiedade, a ponto de perturbar o sono, procurem ajuda especializada.
“As pessoas lidam de forma diferente com mortes abruptas. Até as mortes mais maduras nos fazem sofrer. Porém, se a preocupação com o assunto causa ansiedade a ponto de perturbar o sono ou até a vida da pessoa, é preciso passar por terapia com psicólogo”, orienta.
O auxiliar administrativo, Wyllyson Santos, de 18 anos, faz parte da maioria dos jovens entrevistados na pesquisa do Nube: vê a morte com naturalidade.
“Eu vejo a morte como uma consequência da vida. Um dia todos vamos morrer, então, tento aceitá-la de forma natural. Mesmo assim, às vezes sinto medo de não viver o suficiente para realizar o que desejo”, relata o jovem.
Apesar de não considerar seus sonhos muito exigentes, Wyllyson teme morrer jovem e não ter tempo de realizá-los.
“Para alcançar tudo o que desejo só dependo de mim mesmo. Mas o medo que sinto é por conta das pessoas da minha idade que acabam morrendo por fatalidades, quando saem para se divertir e não voltam para casa. Eu gosto muito de me aventurar e só depois que tudo passa é que paro para pensar nos riscos que corri. Mas, na maior parte do tempo eu evito pensar sobre o assunto”.