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Falta cuidado, orgulho, zelo e motivação pelo aprendizado da Língua Portuguesa. Essa constatação, que pode parecer até um pouco exagerada, vem sendo feita, ao longo dos últimos anos, por professores diante de uma preocupante realidade: cada vez mais, os estudantes chegam ao ensino superior sem o conhecimento básico das regras e uso correto da língua, que envolvem falhas na comunicação oral, escrita e leitura. Uma pesquisa recente do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), com 6.716 candidatos a uma vaga no mercado de trabalho, aponta uma situação de alerta: num ditado composto por 30 palavras, 40% não conseguiram contabilizar mais de 23 acertos -- um limite considerado aceitável para que o aluno prossiga no processo seletivo e continue a ser avaliado em suas demais competências. A situação fica ainda mais delicada com a constatação de que boa parte destes baixos desempenhos são de provas com mais de 20 erros.

De acordo com Aline Gabriel Barroso, supervisora de recrutamento e seleção do Nube, a decisão pela pesquisa aconteceu a partir dos resultados que os examinadores sentem na prática dos processos seletivos. "Temos vagas aberta há oito meses para as quais não conseguimos contratar uma pessoa por conta dos erros cometidos no ditado na Língua Portuguesa." E o baixo desempenho não é somente daqueles ligados a cursos das áreas de Exatas ou Biológicas. Entre os estudantes de Artes e Design, 70,59% dos que fizeram os testes cometeram erros acima do aceitável; metade do público oriundo dos cursos de Pedagogia não conseguiu passar no teste do ditado e 49,45% dos jornalistas. Os futuros professores de Matemática foram reprovados em 66,66% das provas. Os melhores desempenhos ficaram entre os alunos de Direito (82,75% aprovados) e Engenharia (82,75%). Como se trata de estudantes de diferentes cursos e instituições de ensino -- desde as mais renomadas às com menos prestígio --, Aline avalia que as falhas são oriundas da falta de uma formação cultural mais ampla.

"Como avaliamos que faculdade é um complemento, percebemos que é uma deficiência da cultura das pessoas. Com o "boom" da internet, os alunos estão focados na linguagem das gírias, dos blogs, das redes sociais. Falta conhecimento de novas palavras", analisa. Além disso, por vezes há, por parte dos estudantes, uma grande dedicação ao aprendizado de um segundo ou até terceiro idioma como forma de atender às exigências do mercado de trabalho. Porém, Aline sinaliza que de nada adianta esse conhecimento se a Língua Portuguesa for deixada de lado. "O domínio do Português é primordial, é o primeiro passo para conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Se o estudante não sabe, pelo menos, escrever as palavras corretas, nem mesmo um intercâmbio ou curso de inglês vão pesar na hora de ser contratado por uma empresa."

Situação reflete uma distorção de valores e falta de identidade

Enaltecer a importância do conhecimento de um segundo idioma e deixar de lado a língua nativa é, na opinião do professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Universidade de Sorocaba (Uniso), Alexandre Blaitt, uma grande distorção. "A Língua Mãe é a primeira que nós temos a obrigação de dominar. Mas a estamos anulando, por conta de uma distorção de valores da sociedade. Dominar um segundo idioma acaba tendo um valor mais importante. É uma distorção grave, porque quando a gente despreza a própria língua para aprender outra, isso mostra um problema de identidade", avalia.

Conhecer a Língua Portuguesa, para os brasileiros, é muito mais que a obrigação de passar numa prova ou processo seletivo. "Essa deficiência é uma grande perda, porque língua não existe só para a gente se comunicar, é também uma possibilidade de se ter uma formação, fazer uma leitura do mundo - que hoje é algo sofisticado, difícil de entender. Não é só o lado técnico da língua, mas aprender a caminhar com as próprias pernas, se expressar corretamente. Sem o conhecimento adequado da Língua Mãe, faltam referências, repertório, comunicação, a vida e a leitura de mundo da pessoa vai ficando muito pobre."

À frente das salas de aulas pelas quais passam os futuros professores, Alexandre diz não se surpreender com os resultados do Nube, que por ele são sentidos na prática do dia a dia. "Temos casos em que é necessário fazer quase que a alfabetização do aluno na faculdade", conta, sinalizando que a falta de conhecimento, no ensino superior, aparece como um resquício de falhas no aprendizado ainda na educação básica.
 
"É mais difícil corrigir esses erros. Mas eu acho que uma vez que a universidade aceitou esse aluno, ela tem responsabilidade. Se o aluno vem com os problemas de base, quando ele chega à universidade -- e ele será cobrado pelo mercado -- a universidade acaba tendo que resolver estes problemas. Infelizmente, esse é o trabalho que nós estamos fazendo." Blaitt lamenta esse enfoque porque a partir do momento que o ensino superior passa a se preocupar com o ensino do básico, acaba deixando de lado o aperfeiçoamento, aprimoramento e formação profissional -- sua principal razão de existir. "Quando a universidade tem que dar a base, não se avança."

Afinal, falta ensino ou aprendizagem?

Enquanto Aline Barroso atribui a uma má formação cultural dos alunos o baixo desempenho em Língua Portuguesa, Alexandre Blaitt acredita que esses resultados negativos nada mais são que o reflexo dos problemas enfrentados no processo ensino-aprendizagem ainda na educação básica. "Não acho que seja falta de interesse dos alunos. Estes, na verdade, não estão recebendo uma educação que propicie qualquer interesse. É muito mais um problema de política educacional. Quando não se tem um ensino de base, não se forma leitores e também não se cobra esse aprendizado da língua."

Como profissional da área, Blaitt acha que a carga horária e o conteúdo destinados, dentro das grades curriculares, ao idioma oficial do Brasil no ensino fundamental e médio está adequado e, se estivesse sendo trabalhado de maneira satisfatória, seria suficiente para que os estudantes tivessem fluência e domínio da língua ao finalizar essa etapa escolar. "O problema está em como o aluno está tendo esse curso. Não adianta ter a disciplina na grade e não ter um professor preparado para conduzir, um aluno desmotivado, que sabe que se ele estudar ou não vai passar de ano. Não diria que é um problema de falta de oferta."

Alexandre tem uma análise bastante crítica da situação. "O problema está na formação. Grande parte dos estudantes está no ensino público e o Estado abriu mão de ensinar, seja pela política estabelecida, com ações como a progressão continuada, por exemplo, seja pela desvalorização do professor. É preciso eleger a Língua Portuguesa -- e também outras disciplinas -- como prioridade."

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