Após a análise de pilhas de currículos restam dois selecionados: um fumante e outro não. Se os dois têm o mesmo nível de qualificação, provavelmente o que não fuma será contratado, evidenciando o movimento antifumo que afeta não só o ambiente corporativo, mas toda a sociedade, impondo cada vez mais restrições ao hábito. Uma demonstração do estreitamento do cerco aos fumantes foi a sanção presidencial à lei que proíbe o fumo em locais coletivos fechados, sejam eles públicos ou privados, estendendo a medida para todo País. Seguindo as leis estaduais já aplicadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, a lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 15 de dezembro veta também os fumódromos das empresas, o que se constitui em mais uma dificuldade para os fumantes em processos de seleção.
Consultorias concordam que muitas empresas impõem barreiras – quando não vetam – à contratação de fumantes. Com a mudança na legislação, as companhias podem alegar que o candidato fumante expõe a empresa ao risco de descumprimento da lei. “Se a empresa é obrigada a seguir uma legislação que proíbe o fumo no recinto, porque contrataria pessoas que consomem cigarros?”, questiona Luciana Borel, psicóloga especializada em Gestão de Pessoas e Negócios e sócia-diretora da RHFácil Brasil Consultoria.
Os prejuízos do tabagismo à saúde do colaborador também incomodam os contratantes. Segundo Luciana, o custo extra que eventuais doenças decorrentes do fumo podem trazer à fatura do plano de saúde preocupa empresas que oferecem esse benefício. De acordo com o pneumologista Alexandre Kawassaki, do Hospital 9 de Julho, o tabagismo está diretamente relacionado a doenças graves, como as coronarianas, as cerebrovasculares, as pulmonares e até o câncer.
Outra justificativa comum para a preferência pelos que não fumam é o fato de os fumantes realizarem constantes pausas em suas atividades para acender um cigarro e, como consequência, terem a produtividade reduzida. Segundo Fátima Sanchez, gestora do Instituto Personal Service, quem fuma perde aproximadamente 27% das 220 horas trabalhadas por mês com o vício. No entanto, a atitude de evitar a contratação de fumantes é caracterizada como discriminação e, portanto, o candidato a uma vaga de emprego não saberá que foi dispensado por essa razão. “As empresas, em geral, não assumem que impões essa restrição e, na maioria dos casos, disfarçam”, comenta Fátima.
O alerta vale também para quem está ingressando no mercado de trabalho e procura um estágio. Segundo o diretor da Estagiarios.com, Giuliano Bortoluci, dependendo das normas da empresa, alguns optam pela contratação de não fumantes, que tendem a levar vantagem no critério de desempate.
Intolerância e produtividade
Pesquisa realizada recentemente pelo Núcleo Brasileiro de Estágio (Nube) apontou que a maioria dos candidatos a uma vaga de estágio está consciente dos prejuízos do vício no ambiente profissional: 70% dos estudantes acreditam que o fumo pode dificultar a conquista de uma vaga. O motivo alegado por 32% dos entrevistados foi que fumar afeta a produtividade do profissional. Outros reconhecem que as empresas estão mais restritivas aos fumantes, assim como a sociedade está mais intolerante. Essas respostas foram apresentadas por 24% e 13%, respectivamente.
A enquete também revelou que, para 24% dos estagiários, o que importa no processo de seleção é o perfil do candidato e o tabagismo não faz diferença. Apenas 4% declararam que fumar nunca afeta o rendimento do trabalhador. “Esse resultado é um bom termômetro e indica que não só as empresas, mas a sociedade está menos tolerante com a prática”, comenta a coordenadora de treinamento externo do Nube, Yolanda Brandão.