Programas de estágios e trainees ainda mostram-se como boas ferramentas para atração de talentos Investir nos jovens talentos é a forma mais segura de garantir lideranças preparadas para o futuro. Os programas de estágios e, sobretudo, de trainees têm sido encarados pelas organizações como uma forma de atender a demanda cada vez mais crescente para oxigenar os quadros, trazer novas idéias e novos questionamentos. Hoje já existe uma geração de ex-trainees ocupando cargos executivos, inclusive de presidência, como é o caso de Walter Cirillo, presidente da Rhodia América Latina, e do uruguaio Gustavo Marín, presidente do Citibank Brasil. Os jovens são visados porque, além de uma boa formação, têm o domínio das novas ferramentas tecnológicas, não têm vícios e visões de outra companhia, são ávidos por desafios e têm uma imensa vontade de crescer. Por outro lado, o investimento para o desenvolvimento deles é alto, já que inclui os custos no processo seletivo, treinamentos, viagens, salários e benefícios. O retorno, entretanto, é praticamente certo. "O jovem é muito mais fácil de moldar, rapidamente ele incorpora a cultura da organização", acredita Seme Arone Jr., diretor de marketing do Núcleo Brasileiro de Estágios (NUBE). A transportadora América Latina Logística (ALL) mantém, desde que a empresa foi privatizada, há seis anos, um programa de trainees e garante que o investimento é recompensado rapidamente. "É sempre muito difícil medir retorno quando a questão é gente, mas posso garantir que só os projetos que são apresentados na conclusão do programa superam o investimento", anuncia Márcia Baena, coordenadora de Desenvolvimento de Gente. A ALL investe cerca de 500 mil reais nos trainees. Márcia explica que a empresa encara este trabalho como um programa de educação continuada, com o objetivo de formar os futuros gerentes. Hoje, 75% dos trainees que ficaram na empresa estão em cargos gerenciais. Mas nem sempre foi assim. "No início, buscávamos pessoas para preencher uma vaga, portanto, procurávamos por jovens com uma determinada formação", lembra. "Mas percebemos que assim estávamos perdendo talentos, porque o perfil de uma liderança não está em uma só área", coloca. Outra organização que aposta na diversidade é o Citibank. Fernanda Pacheco, diretora de Recrutamento e Seleção do banco, explica que a maior evolução que o programa sofreu nestes 30 anos de existência não é quanto ao conceito, mas em relação ao perfil do trainee. "No início, o perfil buscado no mercado era muito homogêneo: só faculdades de primeira linha e algumas formações. Hoje percebemos que o trainee é um agente de mudança e quanto maior for a diversidade deles, melhor", acredita. As empresas estão percebendo que para atingir um mercado cada vez mais heterogêneo, precisam reproduzir esta diversidade em seus quadros de pessoal. Nesse sentido, não basta investir no jovem, deve-se investir, também, no diferente. "Se as empresas reduzirem o universo de busca as melhores universidades, estarão acabando com a diversidade", ressalta Alexandre Holtmann Pastore, diretor adjunto de serviços da Gelre, que mantém uma unidade específica para recrutamento de estagiários, a Central de Estágios. Uma concorrida oportunidade Se, por um lado, os programas para jovens talentos são uma poderosa ferramenta para a geração de competências para a organização, é, por outro, uma ótima oportunidade para o recém-formado ingressar no mercado de trabalho, já que além de salários e benefícios atraentes, tem uma perspectiva de crescimento rápido na companhia. Por estes motivos, os processos seletivos são concorridíssimos. Um dos mais disputados do país, o programa do Citibank, tem uma relação de candidato por vaga maior do que qualquer vestibular. Em 2002, foram mais de 27 mil inscrições para apenas 30 vagas. Na Rhodia, 15 mil estudantes disputaram 50 vagas para o programa de estágio. Este aumento vertiginoso no número de inscritos só foi possível com a popularização da internet como uma ferramenta de seleção. Com esta imensa quantidade de candidatos, selecionar torna-se uma tarefa ingrata. "É humanamente impossível analisar cuidadosamente todos os currículos", desabafa o diretor de RH da Rhodia América Latina, Osni Lima. Para diminuir este contingente, a empresa adotará, a partir do ano que vem, um processo mais excludente de seleção, limitando aos estudantes das consideradas melhores faculdades. "É uma certa discriminação, mas de fato é impossível ser justo, prefiro reduzir o número para que o processo seletivo seja mais eficiente, e possamos analisar todos os candidatos", defende. Seja qual for a fórmula adotada, a empresa não pode deixar de prezar pela transparência no processo, afinal é sua imagem que está em jogo. "Se um jovem se candidata é porque ele admira a nossa empresa e não posso perder esta credibilidade, mesmo porque, se ele não ingressar na companhia agora, não significa que nunca será um de nossos talentos", alerta Márcia Baena, da ALL. Para não comprometer a credibilidade da companhia, e colocar a perder todo o trabalho de atração de pessoas, o RH deve ficar atento a alguns cuidados: o Todas as informações devem ser verdadeiras e claras; o As etapas do processo seletivo devem ser bem explicadas, assim como os pré-requisitos necessários; o Avisar da possibilidade ou não da efetivação, ou, no caso, de trainee, o tempo e etapas para o crescimento na carreira; o E o mais importante: dar feedback sempre. Por outro lado, um erro no processo seletivo pode ser muito mais doloroso do que um "não". "O candidato se frustra e perde alguns anos da carreira simplesmente porque não se adapta ao ambiente de trabalho, à filosofia ou mesmo à área de atuação da empresa", avisa Pastore, da Gelre. Valorização do estagiário Com a ampliação do foco de atração de talentos, privilegiando os recém-chegados ao mercado de trabalho, os estagiários estão sendo cada vez mais valorizados. Durante muito tempo, entretanto, eles foram encarados como uma mão-de-obra "barata" e sem nenhum investimento no seu desenvolvimento. Várias empresas têm programas estruturados de aperfeiçoamento, com uma média elevada de efetivação, de cerca de 80%. O que a empresa deve levar em conta é que investir no estudante traz vantagens significativas, pois consiste numa possibilidade de formar, desde cedo, seu quadro de talentos. O estágio deve ser encarado como um programa de mão-dupla. É, para o jovem, a possibilidade de inserção no mercado de trabalho e, para a empresa, a oportunidade de absorção de um jovem talento. "O papel da empresa é complementar a formação acadêmica com um enfoque prático, sempre visando, na medida do possível, o reaproveitamento", destaca Maria Cecília Araújo da Silva, gerente do Centro de Desenvolvimento de Competências (CDC) do Idort. "Se a empresa não tiver uma política clara de absorção e ver o estagiário apenas como uma forma de atender uma carência de mão-de-obra, a experiência será frustrante tanto para o estagiário quanto para a organização", adverte. Pensar só em redução de custos é a grande barreira para o sucesso de um programa como este. O gerente de relações externas do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Luiz Gustavo Coppola, destaca ainda que a lei de isenções fiscais é apenas uma vantagem. "Se o empregador buscar apenas a lei, estará perdendo tempo e dinheiro, ele deve aproveitar esta oportunidade para descobrir talentos", recomenda. Para que o estágio seja uma experiência enriquecedora, Coppola aconselha que a empresa tenha uma política bem definida, em que conste o objetivo do programa, as práticas de atuação e quais as expectativas de absorção. E o estagiário, claro, deve estar ciente desta política assim que for contratado. Para ajudar neste complexo processo, existem no mercado diversas empresas e instituições que auxiliam na seleção de estagiários e na burocracia de contratação, mas não se pode falar que existe uma gestão terceirizada dos programas. "O estágio é da empresa, o que existe é um suporte técnico, mas o programa em si precisa ter o envolvimento total da alta administração da empresa, senão dificilmente terá sucesso", alerta Coppola. E Luciana Guedes Pinto, gerente técnica da Companhia de Talentos, acrescenta, "é uma parceira, mas é necessário que alguém do RH acompanhe todo o processo, porque é a imagem da empresa que está envolvida". Para garantir o pleno desenvolvimento dos talentos durante o programa, têm-se usado muito a figura do "coach". "Ele assegura o pleno desenvolvimento das competências dos jovens talentos, evitando possíveis desvirtualizações e que sejam "jogados" na empresa, sem foco na área de atuação", avalia Seme Arone Jr, diretor do NUBE. Foi pensando nisso que o Laboratório Campana desenvolveu seu programa de estagiários baseado na figura dos "padrinhos", ex-estagiários que auxiliam no desenvolvimento organizacional dos estudantes. "Os padrinhos são um conceito interessante porque eles conhecem as dificuldades e dúvidas pelas quais os estudantes passam", explica Arnaldo Marinho, coordenador de RH do Laboratório, que já foi um estagiário e hoje é um dos padrinhos. Em algumas organizações, os estagiários estão sendo vistos como um recurso interno valiosíssimo para o recrutamento dos futuros líderes. É o caso da Rhodia, em que desde o ano passado, seus trainees vêm unicamente dos seus quadros de estagiários. "Nós mudamos porque percebemos que havia um grande descontentamento dos funcionários jovens e dos estagiários, já que os trainees eram selecionados no mercado e tinham um status privilegiado", explica Osni Lima, diretor de RH. Os estagiários que mais se destacam são efetivados por meio do programa de trainees e passam por um treinamento com foco no desenvolvimento gerencial. O desafio da gestão Todos os profissionais de RH são unânimes em afirmar que os trainees são profissionais altamente desejados pelo mercado. "As empresas estão concorrendo pelos talentos", resume Maria Cecília, do Idort. Reter estes altos talentos está se tornando um desafio para as organizações. As empresas que têm consagrado programas de trainee sofrem com os "ataques do mercado". "Com a diminuição do número de funcionários, as empresas estão em busca de profissionais altamente capacitados, e o perfil de um trainee é muito procurado", observa Osni Lima, da Rhodia, que só no ano passado perdeu quatro trainees. Além disso, o diretor de RH da multinacional francesa também destaca que satisfazer estes jovens é uma tarefa extremamente difícil. "Eles são muito agressivos em relação à carreira e querem um crescimento rápido, e de fato, nenhuma empresa consegue oferecer isso", aponta. "Perdê-los é um risco que não dá para se eliminar, o que nós tentamos é satisfazer suas expectativas acelerando o processo de desenvolvimento e identificando as oportunidades de crescimento profissional", pondera. A solução encontrada pela ALL foi reduzir o número de trainees para poder atender melhor suas expectativas. "Nos primeiros anos trazíamos muita gente, cerca de 35 trainees, e ficava difícil ter a oportunidade para colocar todo mundo", lembra Márcia Baena, coordenadora de desenvolvimento de gente. A transportadora desenvolveu um programa mais estruturado, com acompanhamento contínuo e focado nas áreas de potencial sucessão. "É claro que ainda existem perdas, mas aí também entram as ações de retenção: desafios, trocas de áreas, projetos novos e remuneração variável", minimiza. "As frustrações ocorrem porque os trainees têm a tendência de achar que terminarão o programa e já serão gerentes", reconhece Luciana Guedes. Para evitar problemas, o ideal é que todo o processo seja conduzido claramente, avisando o jovem talento quais os cargos ele poderá atingir e qual o tempo estimado para isso. Por fim, vale a pena lembrar que estes talentos não estão só interessados em salários e benefícios, e que um bom ambiente de trabalho, com foco nas novas tecnologias e oportunidades de desenvolvimento podem fazer uma grande diferença na hora de escolher entre a sua empresa ou a concorrência.