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Inclusão de pessoas trans começa pelo estágio 

Notícia | 06/04/2022

Vinícius Lima

A diversidade é um assunto cada vez mais necessário a ser abordado dentro e fora do contexto corporativo. Contudo, dentro das empresas, há uma ação essencial a ser tomada para garantir a equidade: a oferta de oportunidades voltadas para parcelas minorizadas dentro da construção social da atualidade. Assim, o estágio também é uma ótima forma de, além de incluir jovens estudantes no mercado, inserir pessoas trans para construírem os primeiros passos de sua trajetória profissional. 

Mudança de cultura também é indispensável 

Diante desse cenário, não basta apenas, também, abrir vagas. É preciso aprimorar e fortalecer a cultura interna da organização para haver, além do respeito e quebra de preconceitos, o espírito de acolhimento e coletividade entre todos. Assim, o desenvolvimento dos indivíduos e das equipes, no geral, é favorecido. 

O consultor de diversidade e inclusão Pedro Sampaio, por exemplo, começou sua transição em 2018. Após sentir-se mal em uma tarde de julho do ano passado, precisou realizar uma consulta com um ginecologista. Enquanto aguardava na sala de espera do ambulatório especializado atendido por seu plano de saúde, notava os olhares curiosos das demais pacientes por ser ele o único homem ali para ser tratado.

Ainda falta pensamento plural para muitos

Algum tempo mais tarde, precisou ir ao banheiro e percebeu a inexistência de um toalete masculino. Sampaio viu-se diante de mais um pequeno constrangimento, um dos muitos já vivenciados em sua trajetória desde adolescente lésbica, como se identificava na época, até homem trans adulto. 

Ao perguntar às enfermeiras sobre o toalete, foi orientado a buscar um em outra área do hospital, um no qual pudesse utilizar sem ser inibido, nem constranger as outras pessoas em espera. Hoje, o episódio é utilizado pelo consultor em suas palestras a gestores de recursos humanos para exemplificar o conceito de micro agressão no ambiente profissional. 

É preciso mudar esse cenário

De acordo com ele, esse é um dos muitos tipos de agressões direcionadas à comunidade, a qual, por sua vez, está sujeita a isso em quase todos os ambientes sociais, especialmente no trabalho, onde ainda são minoria. "A clínica não estava preparada para me receber, mas deveria. Obviamente, muitos trans vão ao ginecologista”, comenta. 

Para o especialista, a ausência de um lavabo para ele, nesse contexto, é uma ofensa velada, não explícita. “Aliás, a maioria das pessoas sequer a reconhece como danosa, como injúria verbal ou física, mas ela diz como não pertencemos àquele local", continua o consultor no assunto. 

Desafios até para quem está em posições de prestígio

Apesar da formação original em ciências contábeis, Sampaio acabou se especializando na questão da pluralidade. Há três anos, atua na Tree Diversidade, ajudando organizações a criarem locais mais inclusivos e tolerantes à diferença. Embora sua especialidade sejam as temáticas relacionadas às interseccionalidades LGBTQIA+, ele já ajudou a estruturar programas para incluir diferentes grupos minorizados nas empresas, como mulheres, negros, pessoas com deficiência, entre outros.

Ao longo desse tempo, ele ouviu um rol quase interminável de desrespeitos relatados por outros profissionais trans registrados cuidadosamente para posterior discussão em suas palestras de sensibilização. Entre as mais comuns, há uma insistência em se utilizar a expressão "o travesti" em vez de "a travesti", no feminino mesmo, para se referir às colaboradoras transgêneras. Há também a recusa dos colegas em tratar o indivíduo pelo nome social e pelos pronomes com os quais ele se identifica.

Por isso, é preciso apostar uma nova postura

Um dos casos mais incômodos citados por ele foi a recusa de um dado departamento de RH em alterar crachá, cartões de visita, e-mail, carteirinha do plano de saúde, Bilhete Único criados por engano com o nome de registro civil, por achar se tratar de uma questão menor. Não é, ao menos não deveria ser, especialmente para as companhias com o desejo de levar esse tema a sério. "De nada adianta contratar e não preparar o ambiente para acolher. Se o cenário é hostil, vamos gastar mais energia nos defendendo e menos produzindo".

O consultor prossegue afirmando como, se houver esse tipo de resistência e preconceito, quem se sente excluído não se motiva e se engaja a compartilhar suas perspectivas. Isso acaba por minar, consequentemente, os benefícios de montar times diversos. Até porque, diante dessa realidade, não se gera o debate enriquecido por diferentes experiências. 

Quando mais bem trabalhada internamente a pauta, mais isso se reflete externamente

Esse compartilhamento, por sua vez, se estimulado e bem conduzido, resulta em produtos e serviços melhores, um número maior de consumidores atendidos pelas soluções criadas, mais satisfação, inovação e, principalmente, mais rentabilidade. Além de cuidar do ambiente de trabalho, as empresas precisam ficar atentas à necessidade de ofertar oportunidades de qualificação. 

Segundo o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transsexuais, quem não se identifica com a cisgeneridade acaba sendo expulso de casa, em média, aos 13 anos de idade, interrompendo imediatamente os estudos. Uma pesquisa da OAB de 2016, a mais recente disponível, afirma, ainda: 82% desse grupo não consegue concluir os estudos básicos.

Estágio transforma vidas

Justamente por isso, o estágio já no ensino médio ou técnico pode ser uma das táticas a se adotar para começar a reverter as duras e tristes estatísticas. Olivia Lira não faz parte da comunidade LGBTQIA+, contudo, suas condições socioeconômicas eram desafiadoras quando começou a estagiar, ainda no colegial. 

A partir da vivência, conseguiu manter-se na escola até ingressar em uma faculdade pelo ProUni, programa governamental voltado para a inserção de pessoas de baixa renda nas universidades brasileiras. “Minha vida é outra agora e as mudanças começaram a partir de quando virei estagiária”, conta. Hoje, ela atua como analista de marketing e tem uma estabilidade financeira bem diferente do cenário anterior. “É uma chance única para muitas pessoas. Não consigo imaginar como seria se não tivesse tido essa oportunidade”. 

Diante dessa realidade, a corporação precisa não só ajustar os critérios de recrutamento para adequar as vagas à realidade do grupo a incluir, como também criar estratégias de desenvolvimento para equiparar oportunidades internamente. Também é muito importante, segundo o consultor, estruturar mecanismos de monitoramento da saúde física e mental, especialmente para a população trans, mais sujeita a riscos de saúde em relação a outras parcelas. 
A diversidade nunca foi tão importante!

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